Andrea Caldas: “Temos, hoje, um governo mais fraco do que esperavam seus artífices, mas que ainda conta com sustentação política e econômica”

A pauta das manifestações conservadoras, no ocaso de junho, resumida na defesa de Moro e no combate ao regime público da previdência, desvela algumas importantes congruências, no mar de contradições da base política do bolsonarismo.
Chamada por setores que apoiam o atual governo, contudo mantêm agenda própria – como é o caso do MBL – desfralda, como bandeira central, o ataque ao Estado e seu conjunto de princípios jurídicos e normativos, tal como conhecemos até aqui e que, no Brasil, encontrou sua síntese na Carta de 88.
Não se trata da defesa das “instituições” – tanto assim que o STF, em primeiro lugar, e o Congresso, logo atrás, são os alvos preferenciais de ataque – mas, do enaltecimento de condutas quase “jacobinas” de indivíduos com a missão de salvar o país da sua eterna indolência e corrupção (sic).
Nessa esteira, é possível, ao mesmo tempo, justificar porque o governo do mito decepcionou as expectativas de recuperação econômica e manter a coesão de uma base sedenta por vingança, mais que por justiça.
A comemorada “proatividade” de Moro, eufemismo para desvio da conduta processual, encontra seu par na desconfiança com a pactuação de regras contratuais com o Estado, como é o caso do regime de seguridade social.
Com uma nota acima do tom, mas ainda parte da sinfonia, temos a fala do ministro Paulo Guedes que, ao justificar o acordo desigual Mercosul-União Europeia, defende que o fim das proteções aos nossos produtos industrializados faz parte da estratégia de despertar os instintos de sobrevivência do empresariado nacional.
(Aliás, liberalismo econômico “hard” é isso mesmo. Mercado puro, sangue nos olhos e testosterona na veia).
O grande problema – elidido na fala do posto Ipiranga – é que os leões europeus são mais bem nutridos e ancorados em forte protecionismo do lado de lá.
Destarte, este conjunto de prédicas é dirigido a uma parcela social que acredita que pode sobreviver no mercado, contando com sua autopresumida meritocracia e escudada na sonegação e no desprezo aos direitos sociais.
Se as manifestações foram numericamente menores que as de outrora – e o foram- isto parece sinalizar que há um depuramento na base de apoio.
A recente perda significativa da aprovação do governo ocorre, justamente, na camada social mais vulnerável e desorganizada, que não costuma sair às ruas.
Há, todavia, um núcleo militante, reduzido e atuante que, gradativamente, tem secundarizado a figura de Bolsonaro e a substituído pelo apelo aos cavaleiros do combate à corrupção estatal e – especialmente – ao horror a qualquer vestígio de direito social minimamente igualitário.
Temos, hoje, um governo mais fraco do que esperavam seus artífices, mas que ainda conta com sustentação política e econômica.
Minimizar essa minoria estrutural é um equívoco ingênuo e voluntarista, que não podemos cometer.
“Meu estado de espírito sintetiza esses dois sentimentos e os supera: sou pessimista com a inteligência, mas um otimista com a vontade”. (Antonio Gramsci)